Conversa entre Céline Lorthiois, pedagoga, mestre em psicologia da educação, e Denise Berto, jornalista. Outubro de 2011

Quais critérios devem ser analisados pelos pais para escolher a melhor escola para seu filho?

A compatibilidade dos valores e da filosofia de vida da família com os da escola é primordial.

E, basicamente, temos que perguntar: os pais dão mais valor ao desenvolvimento da personalidade da criança, ao respeito de suas características individuais, ou consideram imprescindível ela absorver os conteúdos escolares condizentes com a sua faixa etária? Nesse item, as crianças podem dar algumas dicas: às vezes, pais que privilegiam o desenvolvimento psicológico de seu filho pequeno ficam surpresos ao constatar que ele não quer brincar não! Ele quer estudar, quer conteúdos! Outras vezes, acontece o contrário, e isso gera uma situação com a qual é muito mais difícil de lidar… Na realidade, a opção por determinada escola deveria ser decorrente de uma análise do perfil de cada criança…

Além disso, muitas vezes os pais escolhem com muito juiz uma escola para seus filhos, mas não dão conta de arcar com suas elevadas mensalidades. Então o jeito é optar pela escola possível: os pais gostariam de colocar seus filhos numa escola democrática, ou bilíngüe, mas têm de se contentar com uma escola de formato bem tradicional… A atenção dos pais para com o as atividades desenvolvidas na escola, seu cuidado, seu envolvimento, farão então toda a diferença…

A formação dos professores: a formação acadêmica os professores é importante, mas a especificidade de sua experiência e seu autodidatismo em algumas áreas são igualmente valiosos. Além disso, os professores precisam ter um real senso pedagógico, capacidade de acolher a criança, de questionar a própria atuação, e eles devem poder contar com algum suporte da escola ao serem confrontados com dificuldades no desempenho de sua função. O oferecimento de algum trabalho possibilitando ao educador caminhar em direção ao auto-conhecimento deveria ser primordial, e, eventualmente, poderá aparecer nas entrelinhas da proposta pedagógica da escola.

Número de alunos por classe: quanto menor a criança, maior deve ser o número de educadores ou cuidadores para atender suas necessidades. Experiências de atendimento a alunos não agrupados por faixa etárias são extremamente interessantes na medida em que permitem o estabelecimento de relações mais autênticas e variadas

 

E para aqueles que não podem colocar seus filhos em escolas particulares, existem municipais e estaduais com ensino qualificado?

Depende muito da família, da sensibilidade dos pais, do perfil da criança… É preciso ir até a escola pretendida, conversar com os educadores, com os pais de alunos, com alunos… Observar as crianças, na hora da entrada, da saída…

Há professores desenvolvendo trabalhos excepcionais em escolas tidas como medíocres, e o inverso também é verdadeiro…

Acho que a escola pública é uma opção válida, mas ela pede um envolvimento maior dos pais, no sentido de participar mesmo da vida escolar, de todas as maneiras possíveis… Não no sentido de cobrar o professor que já dá o melhor dele mesmo, de maneira geral, mas no sentido de estabelecer um diálogo com as autoridades escolares e o corpo docente, de estabelecer vínculos sadios com as pessoas encarregadas de instruir seu filho…

Tenho uma amiga que optou pela escola pública para seus quatro filhos – dois biológicos, dois de criação. A empresa do pai oferecia pagar as mensalidades de uma escola particular para os dois filhos biológicos, mas não para os dois filhos de criação. Os quatro acabaram estudando em escola pública, e são, hoje em dia, profissionais competentes e pessoas felizes. Mas a mãe assumiu realmente esse desafio de participar de todas as atividades possíveis na escola, inclusive em várias atividades voluntárias…

É melhor economizar em outros aspectos domésticos, mas nunca no investimento escolar? Essa questão deve ser prioritária para os pais?

Educação e cultura deveriam ser prioridades para os pais, e essas relevam muito mais da família do que da escola; exigem mais tempo do que dinheiro…

Além disso, sei que nada pode impedir uma criança sadia psicologicamente de aprender; logo, considero mais válido zelar para preservar ou restaurar essa integridade, e ao mesmo tempo, colocar os nossos conteúdos culturais à disposição da criança. Mas não concordo com a imposição desses conteúdos através de ensino padronizado; pois quando é rígida, essa imposição pode comprometer a integridade psicológica de certas crianças.

 

Como você analisa o ensino fundamental e secundário públicos de nosso país? O que falta? O que precisa?

Suporte psicológico e pedagógico, grupal e individual, para os educadores… Falta cuidar do educador, ouvi-lo, atender suas necessidades, fortalecê-lo. Além disso, não pode haver educação escolar de qualidade com números médios de alunos por classe tão elevados. É preciso também políticas de inclusão de portadores de necessidades especiais mais consistentes, com maiores recursos financeiros e humanos.

 

Fale um pouco de sua experiência neste setor, há quantos anos trabalha nele, as instituições pelas quais passou e onde trabalha agora.

Trabalho com educação há mais de 25 anos. Atuo na margem da escola, por assim dizer, atendendo, em espaço pedagógico particular, crianças com dificuldades educacionais diversas. Desenvolvi também, durante 7 anos, um trabalho na área da educação informal com um grupo de crianças e adolescentes. Atualmente, além dos atendimentos individuais a crianças, atendo educadores em busca de auto-conhecimento e dou supervisão a eles também. Além disso, divulgo uma Pedagogia que chamo de Profunda, (baseada no pensamento de Jung) ministrando cursos para educadores e outros interessados na área da educação e da cultura infantil; atualmente, sou docente do Curso de Pós-Graduação em Educação Lúdica (em Contextos Educacionais, Não Formais e Corporativos) do Instituto Superior de Educação Vera Cruz, e participo do projeto Dançando e Convivendo nos Parques de São Paulo, desenvolvido pela UMAPAZ, (Universidade Aberta do Meio Ambiente e Cultura de Paz), pelo meio do qual procuramos trabalhar questões socioambientais e passar valores da cultura de paz.

Mãos pedagógicas

Mãos adultas, mãos infantis, mãos laboriosas, eloquentes, divinas mãos…
por Céline Lorthiois – parceiro Wish

Dentro de uma proposta de diálogos com a criança interior, conduzi recentemente com uma colega (1) um pequeno encontro intitulado: O Educador e a Mão. O nome parecia enigmático – e, de fato, o era, deliciosamente! – Mas acrescentei pequenos textos esclarecedores às divulgações do evento, salientando que o tema da Mão seria o fio condutor de atividades e trocas capazes de ressaltar a diversidade e o alcance da atuação do educador, de enriquecer seu repertório e de apurar seu autoconhecimento; lembrei que a criança eterna que mora em cada um de nós precisa ser olhada e cuidada, porque dela depende a qualidade da nossa relação com as crianças do nosso convívio. E sugeri:

Vamos dar a mão para essa criança interior?

Vamos juntar as mãos, em torno de atos expressivos?


Isso parece programa para um encontro longo; o nosso foi relativamente curto, intenso, e deixou uma vontade de continuar percorrendo os múltiplos caminhos do tema, que dificilmente cabem na palma da mão! Espero comunicar essa vontade para os leitores, através do relato do encontro que foi realizado no modo presencial e on-line, simultaneamente.

Mãos que falam

Além das costumeiras apresentações formais, pedimos que cada participante se defina com um gesto de mão(s). Convido o leitor a tentar a experiência, e imaginar o gesto capaz de retratá-lo: gesto rápido, elaborado, dançante, ruidoso, inovador ou familiar…

Mãos que desenham

Uma contação de história introduziu a proposta de desenhar a mão; essa singela técnica expressiva escancarou a extraordinária singularidade de cada um dos presentes – singularidade extensível, não tenho dúvida, à toda a humanidade!

Cada desenho exibia um universo diferente, de poesia, beleza, simbologia, organização ou aparente desordem, e, para lá da diversidade dos desenhos, foi perceptível certa tendência em atribuir elementos ou planetas a determinados dedos, como aparece na quirologia e em antigas tradições. Pelo meio desta tendência, entendo que cada manualidade convoca, simbólica e implicitamente, o universo inteiro e os quatro elementos: cada toque, cada gesto da mão ou dos dedos, quando realizado com consciência, nos ressitua na vastidão cósmica e na matéria, na qual nos refletimos, nos conhecemos e nos espiritualizamos.

Mãos que inspiram

Fizemos em seguida uma rápida incursão pelas inúmeras expressões e ditados brasileiros comportando a palavra mão, contatando assim a sabedoria popular, o humor brasileiro, a esperteza, a fé religiosa…

Mãos pré-históricas

Reverenciamos a mão que, já na pré-história, deixou marcas expressivas nas paredes de cavernas: apelos e testemunhos mudos, lançados em direção ao futuro, a nós e às gerações futuras.

Mãos que tocam

Depois foi proposto o trabalho corporal seguinte para os participantes presenciais:

uma pessoa em decúbito ventral recebeu o toque simultâneo das duas mãos de um colega na sola dos pés: palmas das mãos contra solas dos pés. Em seguida, foi aplicado na mesma pessoa, pelo mesmo colega, um toque sobre o crânio, com as duas mãos formando um delicado capacete.

Para quem recebeu os toques, o contato das mãos do colega na sola dos pés foi sentido como delicioso, houve quem relatou a sensação de uma onda partindo dos pés e percorrendo o corpo até os ombros.

O toque na cabeça promoveu soltura e sensações de conforto inabitual.

Uma moça se espantou ao perceber a suavidade do cabelo do colega entre suas mãos

imóveis, quando aplicava o toque: uma experiencia incrível, segundo ela! De fato, o toque não acariciante, as mãos permanecendo imóveis ensejam percepções incomuns.

A mão que toca é uma mão que irradia, cura, recebe, troca; o toque manual pede para ser considerado sob a perspectiva da fisiologia da mão, indissociável da fisiologia do corpo…

Mãos que são tocadas

Os participantes on-line fizeram um auto toque com sopro sobre suas mãos, cada espaço entre os dedos recebendo um, dois ou três sopros, quentes ou frios.

O que não faz um sopro ao incidir sobre um território ainda inexplorado da mão!

Nesses toques aéreos, as sensações foram de descoberta surpreendente e de descontração.

Mãos que brincam

Enfim, uma brincadeira cantada, uma dança das mãos: os dedos realizaram uma lúdica coreografia, cada participante a sós com suas duas mãos juntas a dançar; em seguida, a dança foi realizada com um colega em vis-à-vis, palmas de um contra as palmas do outro, e, para terminar, a dança foi realizada coletivamente, todos em roda, cada um juntando as palmas de suas mãos com as de seus vizinhos!

Cinco dedos na mão, sete talentos apontados e experimentados aqui. Na realidade, cada talento inclui os outros seis, não há fronteiras rigorosas entre eles, mas mil e uma possibilidades de sobrepor, enriquecer e criar. A mão abole fronteiras entre planos do ser, entre pessoas, entre épocas e lugares.

Mãos que criam e rezam

Faltou tempo para ensinar sombras chineses capazes de projetar uma quase-realidade impalpável em paredes e pisos, e alguns mudras, gestos religiosos de poder e de cura; mas ficam aqui as sugestões, para quem quiser prolongar o encontro com as mãos!

E a mão que machuca, bate, ameaça, agride? É uma mão que foi desconectada do coração? Pois as mãos são vistas também como extensões do coração; e é pelos braços que ele chega até elas, a fim de operar seus milagres, emanando cordialidade.

Céline Lorthiois, novembro de 2022

Pedagoga formada pela PUC/SP), com especialização em Cinesiologia pelo Sedes Sapientiae (SP); mestre em psicologia da educação (PUC/SP), focalizadora de Danças Circulares. Idealizadora da Pedagogia Profunda, pedagogia junguiana, que divulga e ensina em cursos livres e em instituições de ensino.

1 Com Maria Lúcia Medeiros (Instagram: marialucia.medeiros.10), no Espaço Satnam, em Cotia, SP, em novembro de 2022.